A COP30, em Belém, entrou na fase mais política das negociações: é a semana em que ministros assumem a mesa para transformar rascunhos técnicos em decisões reais. Depois de uma primeira semana de “manobras cautelosas”, o presidente da conferência e o chefe de clima da ONU vêm pedindo compromissos concretos para manter vivo o limite de 1,5°C, já que as promessas atuais ainda apontam para algo próximo de 2,5°C de aquecimento.
Ao mesmo tempo, o fato de a COP acontecer na Amazônia aumenta a pressão por respostas em temas como florestas, justiça climática e financiamento para países mais vulneráveis.
O que já foi decidido e anunciado até agora
- Financiamento climático ganha tração
A primeira semana consolidou a COP30 como uma conferência muito focada em dinheiro na mesa:
- Fundo Clima mais robusto – O Ministério do Meio Ambiente, o BNDES e bancos multilaterais anunciaram captações de cerca de R$ 8,84 bilhões para o Fundo Clima, com cartas de intenção que ampliam ainda mais o orçamento. Há também um acordo para garantir aporte de até R$ 2,7 bilhões do BID, dentro de um pacote mais amplo de medidas que pode chegar a R$ 32 bilhões em diferentes iniciativas.
- Meta de R$ 25 bilhões em 2026 – O governo brasileiro detalhou o objetivo de levar o Fundo Clima a R$ 25 bilhões já em 2026, combinando recursos próprios e financiamento internacional viabilizado pelo BID.
- Saúde e clima – Uma coalizão de fundações filantrópicas anunciou cerca de US$ 300 milhões para pesquisa em saúde e clima, em resposta ao aumento das mortes por calor extremo, poluição e doenças sensíveis ao clima.
Na prática, o recado é claro: sem financiamento novo e previsível, não há transição climática em escala e a presidência brasileira está usando a COP30 para destravar esse ponto.
- Agricultura regenerativa e florestas no centro
Outro bloco importante de anúncios ocorreu em sistemas alimentares e uso da terra:
- A Fundação Rockefeller anunciou US$ 5,4 milhões para apoiar 12 organizações brasileiras ligadas à agricultura regenerativa e à alimentação escolar, fortalecendo agricultores familiares e práticas de manejo que regeneram o solo.
- O Fundo para Florestas Tropicais já acumula cerca de US$ 5,5 bilhões, com aporte de US$ 1 bilhão do Brasil, sinalizando uma tentativa de estruturar um mecanismo robusto para proteger Amazônia e outros biomas tropicais.
Esses anúncios reforçam uma narrativa: sem floresta em pé e sem uma transição dos sistemas alimentares, não há caminho crível para 1,5°C.
- Pressão de povos indígenas e sociedade civil
Apesar do discurso oficial de inclusão, povos indígenas e movimentos sociais têm cobrado espaço real de decisão:
- Na entrada da conferência, protestos de lideranças indígenas denunciaram projetos que afetam rios, ferrovias de grãos e mecanismos de crédito de carbono vistos como porta aberta para desmatamento, cobrando encontro com a presidência brasileira e maior proteção territorial.
- Marchas e mobilizações como a Marcha Mundial pelo Clima, com forte participação de indígenas, juventude e movimentos populares, vêm pressionando governos por mais ambição em financiamento, transição justa e proteção de territórios.
Esse embate ajuda a explicar por que a semana decisiva da COP30 não é só técnica: é também política e social.
- Comércio, carbono e disputas geopolíticas
Temas de comércio e fronteiras de carbono também entraram no radar:
- A Índia criticou duramente o mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (CBAM) da União Europeia, chamando-o de instrumento de protecionismo e questionando sua compatibilidade com o espírito das negociações climáticas.
Essas tensões mostram que clima, indústria e comércio exterior estão cada vez mais entrelaçados, e que decisões da COP impactam cadeias produtivas no mundo inteiro.
Por que esta é a “semana decisiva” da COP30
Do ponto de vista de processo, a segunda semana é decisiva por três motivos principais:
- Fim do trabalho técnico
Os órgãos técnicos da convenção precisam fechar seus textos até o início da semana, para que ministros entrem em cena negociando apenas os pontos políticos mais sensíveis (texto entre colchetes, metas numéricas, menções a combustíveis fósseis, etc.). - Pacote político proposto pelo Brasil
A presidência da COP30 começou a desenhar opções de um “pacote de Belém” que conecte, num mesmo acordo, três eixos:
- financiamento climático;
- medidas de comércio e transição justa;
- nível de corte de emissões necessário para manter 1,5°C ao alcance.
3. Gap entre ciência e compromissos
Estudos apresentados durante a conferência mostram que, com as promessas atuais, o mundo ainda caminha para algo em torno de 2,5°C de aquecimento, muito acima da meta de 1,5°C. Isso aumenta a pressão para que o resultado final da COP30 eleve a ambição dos planos nacionais (NDCs) e estabeleça um roteiro claro de revisões até 2030.
COP30 em Belém: o que observar nos próximos dias
Para acompanhar a semana decisiva da COP30, vale monitorar especialmente quatro frentes:
- Financiamento climático pós-2025
- Se haverá um acordo concreto sobre um novo alvo de financiamento climático (o sucessor do compromisso de US$ 100 bilhões/ano).
- Como ficarão os mecanismos para perdas e danos e a participação de bancos multilaterais e filantropia.
2. Texto sobre combustíveis fósseis e transição justa
- Se o texto final vai falar em phase out (eliminação) ou phase down (redução) dos combustíveis fósseis, e como isso se conecta a empregos, requalificação e transição em países emergentes.
3. Florestas tropicais e Amazônia
- Como os fundos florestais e as iniciativas amazônicas serão incorporados à decisão final e se haverá salvaguardas claras para direitos indígenas e integridade ambiental.
4. Ambição das NDCs
- Se a decisão de Belém vai exigir que países tragam metas mais fortes antes de 2030, com foco em curto prazo, e não apenas promessas para 2050.
Se a COP30 vai ou não entregar um “ponto de virada” para o clima ainda é uma pergunta em aberto. Mas os anúncios já feitos em financiamento, agricultura regenerativa e proteção florestal, somados à pressão de povos indígenas, sociedade civil e países vulneráveis, explicam por que esta semana em Belém é tratada como decisiva para o rumo das políticas climáticas na próxima década.





