A reforma tributária altera a lógica de incidência e apuração dos tributos sobre consumo, com efeitos diretos na forma como instituições financeiras calculam preços, margens e indicadores de resultado. Esse movimento atinge o trabalho diário das áreas de tax, tesouraria, contabilidade, controladoria e risco, em um contexto já marcado por forte pressão regulatória e prazos apertados de compliance fiscal.
Levantamento recente realizado pela empresa de tecnologia V360 com 355 empresas de médio e grande porte, de setores como varejo, indústria, agronegócio, construção e tecnologia, mostrou que cerca de 72% ainda não se consideram preparadas para a transição para o novo sistema de tributação sobre consumo. Esse dado indica que a maior parte das organizações está atrasada na agenda de adaptação, e o setor financeiro tende a reproduzir esse cenário, mesmo lidando com produtos complexos, grande volume transacional e múltiplos pontos de contato com reguladores.
Por que o setor financeiro ainda não avançou na avaliação de impactos
Nas conversas entre profissionais de tax, controladoria e finanças, alguns fatores ajudam a explicar por que a avaliação dos impactos da reforma tributária no setor financeiro ainda não ganhou a prioridade necessária:
- Pressão das rotinas de compliance fiscal e regulatório
Times de tax seguem absorvendo entregas mensais de obrigações acessórias, fechamentos contábeis, exigências de auditoria e demandas de órgãos como Banco Central (BCB), CVM e SUSEP. Sem um patrocínio claro da alta gestão, a pauta da reforma tributária permanece em segundo plano.
- Dúvidas sobre o enquadramento de produtos e serviços financeiros
Há incertezas sobre como diferentes receitas serão tratadas no novo modelo de tributação: tarifas bancárias, pacotes de serviços, operações de crédito, serviços de investimento, custódia, seguros, meios de pagamento e produtos estruturados. Isso dificulta a construção de cenários confiáveis de carga tributária efetiva.
- Dependência de sistemas legados e integrações complexas
Motores fiscais, ERPs, plataformas de crédito, sistemas de cartões, core bancário e data warehouses carregam regras parametrizadas ao longo de anos. Qualquer ajuste nas regras de apuração de tributos exige desenho cuidadoso de integrações, testes e validação, o que leva muitas instituições a adiar a discussão para evitar impacto em operações críticas.
- Ausência de um projeto formal de governança tributária para a reforma
Em várias casas, o tema ainda não está estruturado como projeto com comitê, cronograma, responsáveis e indicadores. Fica pulverizado entre tax, jurídico, TI, produto e operações, dificultando priorização de recursos e tomada de decisão.
Riscos de não avaliar os impactos da reforma tributária a tempo
Adiar a avaliação estruturada dos impactos da reforma tributária no setor financeiro gera riscos que vão além da leitura estrita da legislação. Para quem atua em tax, alguns pontos merecem atenção:
- Erro na formação de preços e margens de produtos financeiros
Sem cenários atualizados, a instituição pode precificar tarifas, pacotes de serviços, seguros, produtos de investimento e operações de crédito com base em uma estimativa de carga tributária desatualizada. Isso pode compressar margens, comprometer o retorno sobre capital ou distorcer o posicionamento competitivo em determinados segmentos.
- Aumento do risco de não conformidade (non-compliance)
Alterações em base de cálculo, alíquotas e momentos de incidência exigem ajustes finos nos cálculos, na escrituração e nas obrigações acessórias. Falhas de parametrização em motores fiscais e sistemas de backoffice aumentam a probabilidade de divergências, autuações e necessidade de retrabalho, com impacto direto em provisões e reporte aos órgãos reguladores.
- Impactos em fluxo de caixa e gestão de créditos tributários
A lógica de créditos e débitos no novo modelo influencia o momento em que tributos são recolhidos e compensados. Para instituições financeiras, qualquer descasamento entre o reconhecimento contábil, o recolhimento efetivo e a recuperação de créditos afeta a liquidez e a gestão de caixa, especialmente em carteiras de grande volume.
- Risco reputacional e de relacionamento com clientes
Divergências em valores de tributos embutidos em tarifas, serviços e produtos podem ser questionadas por clientes corporativos e de varejo. Além do aspecto regulatório, isso tem efeito em NPS, churn, renegociações contratuais e, em casos mais extremos, disputas judiciais.
- Dificuldade em explicar os efeitos ao conselho e à alta administração
Sem uma visão consolidada dos impactos da reforma tributária em resultado, margem e risco, a área de tax perde capacidade de discutir o tema com o conselho de administração, comitê de auditoria e diretoria financeira em linguagem de negócio.
Papel da tecnologia e da automação fiscal na adaptação
A discussão sobre reforma tributária no setor financeiro também é uma discussão sobre tecnologia. A área de tax precisa atuar de forma integrada com TI, riscos e produto para:
- Atualizar parâmetros de motores fiscais e regras de cálculo, garantindo trilhas de auditoria claras.
- Usar automação fiscal e robôs para testar cenários, validar cálculos e reduzir a carga operacional de conferência manual.
- Criar um ambiente de testes (sandbox) em que novas regras de tributação possam ser simuladas e auditadas sem impactar as operações em produção.
- Integrar dados de apuração, créditos e débitos tributários a data warehouses e camadas de BI, permitindo que tax converse com a gestão em termos de margem, retorno e risco.
Por onde a área de tax pode começar
Mesmo em instituições que ainda não estruturaram um grande programa de reforma tributária, a área de tax pode iniciar movimentos concretos:
- Mapear produtos e serviços prioritários
Identificar os produtos que concentram maior receita, margem ou complexidade tributária e priorizar esses itens nas primeiras simulações de impacto.
- Revisar cadastros, códigos fiscais e fluxos de apuração
Verificar consistência de cadastros, códigos, regras de apuração em motores fiscais e integrações com sistemas de negócio é um passo essencial para que qualquer simulação reflita de fato a operação.
- Construir cenários de impacto em margem e resultado
Trabalhar junto com controladoria, FP&A e risco para traduzir os impactos tributários em indicadores usados pelo comitê executivo: margem líquida, retorno sobre capital, custo de servir clientes em diferentes segmentos e produtos.
- Envolver tecnologia, produto e jurídico desde o início
Transformar a reforma tributária em pauta multidisciplinar, com participação efetiva de TI, jurídico regulatório, times de produto e operações, reduz a chance de retrabalho e acelera a implementação.
- Estruturar um framework de governança tributária para a reforma
Criar um comitê ou grupo de trabalho formal, com patrocínio de figuras como CFO, CRO e Head de Tax, definindo agenda, entregáveis e critérios de decisão, ajuda a dar ritmo e visibilidade ao tema.
Antecipar a avaliação dos impactos da reforma tributária no setor financeiro fortalece a governança tributária, protege margens e melhora a capacidade da instituição de dialogar com reguladores, clientes e investidores. Um primeiro passo prático pode ser selecionar alguns produtos-chave, reunir tax, TI e controladoria e rodar simulações de carga tributária no cenário da reforma, abrindo caminho para decisões mais seguras sobre precificação, sistemas e contratos.





