Quando o assunto é Lei do Bem, muita empresa foca apenas no benefício fiscal: quanto vai economizar em imposto de renda, qual o impacto no caixa, como isso melhora o resultado do ano. Mas existe um outro lado da moeda que, se for ignorado, pode transformar oportunidade em risco: a auditoria fiscal.
A Receita Federal pode revisar os incentivos da Lei do Bem a qualquer momento e, quando isso acontece, não é apenas uma conferência de números. O que está em jogo é a capacidade da empresa de provar, com documentos técnicos, contábeis e fiscais, que os projetos realmente são de P&D e que os valores deduzidos estão bem fundamentados.
Neste texto, vamos mostrar o que a Receita analisa, quais são os principais riscos e como sua empresa pode se preparar, na prática, para uma fiscalização da Lei do Bem.
O que a Receita Federal analisa na Lei do Bem
Em uma auditoria da Lei do Bem, a Receita Federal busca responder, basicamente, a três perguntas:
- Os projetos são, de fato, P&D?
Aqui, o foco está na elegibilidade técnica. Não basta chamar algo de inovação: é preciso mostrar que há incerteza tecnológica, desenvolvimento de novo produto, processo ou melhoria relevante, e não apenas manutenção, operação rotineira ou simples compra de tecnologia.
- Os valores apropriados fazem sentido?
A fiscalização cruza relatórios técnicos, horas de trabalho, notas fiscais, contratos e registros contábeis para verificar se os gastos declarados realmente estão ligados aos projetos de P&D.
- O processo é rastreável e coerente?
A Receita avalia se há governança, responsáveis claros, fluxo definido e consistência entre o que está descrito tecnicamente e o que foi lançado nas obrigações fiscais (ECF, LALUR/e-Lalur, etc.).
Quanto mais clara, organizada e coerente for essa estrutura, menor a chance de questionamentos, glosas e autuações.
Principais riscos em uma auditoria da Lei do Bem
Alguns erros se repetem em empresas que utilizam a Lei do Bem e acabam ampliando o risco em uma fiscalização:
- Enquadramento frágil de projetos
Atividades rotineiras, suporte a clientes, operação de sistemas ou simples upgrade de software são tratadas como P&D sem atender aos requisitos técnicos da Lei do Bem.
- Documentação técnica insuficiente
Projetos sem plano formal, sem registro de hipóteses, testes, dificuldades técnicas e resultados. A empresa até inovou, mas não consegue provar.
- Horas e custos sem lastro
Profissionais alocados em P&D sem controle de horas, sem centros de custo específicos ou sem metodologia clara de rateio.
- Desalinhamento entre áreas
P&D, Fiscal, Contábil, Controladoria e Jurídico trabalham com versões diferentes dos mesmos dados, gerando divergências entre relatórios internos e declarações oficiais.
- Montagem de última hora
Empresas que “correm atrás” da Lei do Bem apenas no fechamento do ano acabam gerando inconsistências, lacunas e documentos produzidos às pressas.
Conhecer esses riscos é o primeiro passo para construir uma estratégia de compliance em Lei do Bem realmente sólida.
Como se preparar, na prática, para uma fiscalização da Lei do Bem
- Comece pela governança
Antes de falar de planilhas e relatórios, é preciso definir quem manda no processo. Uma boa preparação envolve:
- Nomear um responsável pela Lei do Bem (ou um comitê) com visão transversal do negócio.
- Mapear as áreas que precisam participar: P&D, Fiscal, Contábil, Controladoria, Jurídico e Negócios.
- Estabelecer um fluxo anual: como os projetos são cadastrados, validados, acompanhados e fechados.
Quando esse desenho está claro, qualquer fiscalização encontra uma estrutura minimamente organizada, e não um conjunto de ações isoladas.
- Trate o dossiê técnico como peça central
A Receita não olha apenas o “quanto custou”, mas principalmente o que foi feito. Por isso, cada projeto de P&D deve ter um dossiê técnico que conte a história do desenvolvimento:
- Plano de projeto: objetivos, escopo, cronograma, equipe envolvida.
- Riscos e incertezas tecnológicas: qual o desafio? o que não era trivial?
- Marcos e entregas: protótipos, testes, provas de conceito, relatórios, registros de falhas e ajustes.
- Resultados obtidos: desempenho, ganhos de eficiência, novos produtos ou melhorias relevantes.
Um bom teste é simples: se alguém de fora da empresa ler o dossiê, consegue entender claramente por que aquilo é P&D?
- Garanta a trilha contábil e fiscal
Do lado financeiro e fiscal, o objetivo é ter um espelho fiel da realidade técnica:
- Utilizar contas contábeis e centros de custo específicos para P&D.
- Registrar horas de trabalho com controles formais (timesheets, apontamentos, critérios de rateio).
- Organizar notas fiscais, contratos e laudos vinculados a cada projeto.
- Assegurar que os valores da Lei do Bem estejam coerentes com ECF, LALUR/e-Lalur e demais obrigações acessórias.
Sem essa trilha, mesmo um projeto tecnicamente robusto pode ser questionado por falta de sustentação contábil e fiscal.
- Faça umapré-auditoria interna
Uma excelente prática é simular a presença da Receita antes que ela, de fato, chegue:
- Selecionar projetos e despesas de P&D e revisá-los como se fosse uma auditoria real.
- Verificar se a documentação técnica é suficiente para provar a elegibilidade.
- Conferir se os valores deduzidos batem com o que está nos sistemas e nas declarações oficiais.
Esse exercício ajuda a corrigir falhas de forma preventiva e a ajustar processos antes de qualquer questionamento externo.
- Transforme a Lei do Bem em rotina, não em evento
Por fim, a empresa que realmente está preparada para uma auditoria é aquela que não trata a Lei do Bem como um “projeto de fim de ano”, e sim como parte da gestão contínua de inovação e compliance fiscal:
- Atualizar cadastros de projetos e dispêndios ao longo do ano, não apenas no fechamento.
- Incluir a Lei do Bem na agenda de reuniões recorrentes entre P&D, Fiscal e Controladoria.
- Acompanhar mudanças na legislação, instruções normativas e entendimentos recentes.
- Considerar o uso de ferramentas de gestão de P&D e incentivos fiscais para automatizar registros e relatórios.
Quando a casa está organizada no dia a dia, a auditoria deixa de ser motivo de pânico e passa a ser apenas a validação de um processo bem conduzido.
Em um cenário em que a fiscalização tende a ser cada vez mais rigorosa, enxergar a Lei do Bem apenas como um benefício fiscal é perder parte do seu potencial estratégico. Tratar a conformidade como prioridade, investir em governança, documentação e integração entre áreas não só protege a empresa em uma eventual auditoria, como também fortalece a gestão da inovação e a qualidade dos investimentos em P&D. Quem organiza hoje seus dados, processos e evidências técnicas não apenas dorme mais tranquilo diante da Receita Federal, como ganha vantagem competitiva para sustentar um pipeline de inovação sólido, recorrente e alinhado ao negócio.





