Por Fabrizio Gammino, CO-CEO da Gröwnt
O Brasil está prestes a escrever um novo capítulo no enfrentamento global da Doença de Alzheimer. Em quase 20 anos acompanhando a Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação brasileira, este é um dos projetos mais bonitos e ambiciosos que pude acompanhar de perto como executivo de um Ecossistema de Apoio à Inovação.
A partir de uma combinação inédita de dois compostos bioativos — marapuama, nativa da Amazônia, e curcumina, extraída da cúrcuma — foi desenvolvido um pré-mix nanotecnológico de liberação dirigida com aplicação nutracêutica, validado em estudos pré-clínicos com entregas cerebrais comprovadas.
Em outras palavras, pesquisadores brasileiros conseguiram criar uma
fórmula à base de plantas que, ao ser engolida como suplemento, chega com precisão ao cérebro — algo raro e extremamente inovador.
O projeto, apoiado pela FAPESP na Fase 1 do PIPE (Processo 2023/09731-0), concluiu com sucesso a validação in vitro e in vivo da formulação, utilizando tecnologia de nanoencapsulação para atravessar a barreira hematoencefálica (BHE) e alcançar o parênquima cerebral.
Isso significa que os testes foram feitos tanto em laboratório quanto em animais, comprovando que as substâncias encapsuladas em partículas minúsculas conseguiram atravessar a “muralha protetora” do cérebro — algo que medicamentos comuns nem sempre conseguem.
Os resultados foram reconhecidos e aprovados pela FAPESP em relatório técnico, abrindo caminho para ensaios clínicos e eventual incorporação ao SUS.
Destaque às substâncias bioativas: marapuama e curcumina
A curcumina é um polifenol natural da cúrcuma (Curcuma longa), com ações antioxidantes, anti-inflamatórias e neuroprotetoras, e inibe a formação de placas β-amiloides — estruturas ligadas ao Alzheimer.
Traduzindo: a cúrcuma, famosa como tempero e anti-inflamatório natural, tem componentes que protegem os neurônios e evitam o acúmulo de substâncias tóxicas no cérebro, que são comuns em quem tem Alzheimer.
A marapuama (Ptychopetalum olacoides), árvore amazônica, contém diterpenos clerodanos, que estimulam a produção de fatores neurotróficos como BDNF e GNF, promovendo a neurogênese.
A marapuama, usada há séculos por povos indígenas como tônico
cerebral, estimula o nascimento de novos neurônios e melhora a
comunicação entre eles — ou seja, ajuda a manter o cérebro jovem e ativo.
A combinação dessas moléculas, associada à nanotecnologia, potencializa sua atuação no sistema nervoso central com maior absorção, estabilidade e eficácia.
Resultados técnicos e validação institucional
O projeto, liderado por Eduardo Caritá, da empresa Funcional Mikron, contou com o apoio técnico de universidades como USP, UNESP e UNIFESP. Os testes comprovaram que, 6 horas após a ingestão, os compostos já estavam presentes no hipocampo, área do cérebro responsável pela memória.
Isso é um marco: poucas soluções orais atingem essa área do cérebro com tamanha precisão. O hipocampo é justamente onde o Alzheimer mais ataca.
A FAPESP aprovou integralmente o relatório científico, destacando a articulação entre empresa e academia e a capacidade de escalar a inovação.
Ou seja, não é só um experimento de laboratório: o projeto já tem base técnica e infraestrutura para virar um produto real.
Nova etapa: Ministério da Saúde e o caminho até o SUS
Com base nesses resultados, foi submetido ao Ministério da Saúde um pedido de apoio financeiro via o Programa de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL), visando realizar os testes clínicos em seres humanos e, no futuro, oferecer essa solução no Sistema Único de Saúde (SUS).
Em resumo: a equipe agora aguarda o aval do governo federal para que essa solução brasileira possa ser testada em pacientes e, quem sabe, distribuída gratuitamente pelo SUS.
O cronograma prevê:
- Upgrade da fábrica para padrão farmacêutico;
- Ensaios clínicos em Fases I, II e III;
- Documentação regulatória com Boas Práticas Clínicas (BPC);
- Monitoramento contínuo por instituições parceiras.
Isso garante que tudo será feito seguindo os padrões internacionais de qualidade, segurança e ética.
Inovação verde e amarela com DNA amazônico
Mais do que um avanço científico, este projeto representa uma inovação verde e amarela, nascida do conhecimento tradicional, da biodiversidade nacional e da
ciência de ponta.
É o Brasil transformando saberes da floresta em alta tecnologia de saúde, com potencial global — uma inovação com nossas cores, raízes e inteligência.
A marapuama, além de eficaz, é oriunda de manejo sustentável da floresta, contribuindo para sua preservação e valorização econômica em pé. A curcumina, amplamente estudada, ganha aqui uma nova aplicação de alto impacto social e científico.
Isso significa que o projeto não só pode melhorar a saúde das pessoas, mas também gerar empregos, proteger o meio ambiente e valorizar os recursos naturais do país.
Impactos esperados
- Científicos: geração de patente nacional e avanço para TRL 4 a 8 até 2031;
- Sociais: melhoria da qualidade de vida e redução da dependência de medicamentos importados;
- Econômicos: redução de custos hospitalares e potencial de exportação;
- Ambientais: estímulo à bioeconomia e conservação da floresta.
Em números, o custo da demência no Brasil ultrapassa R$ 96 bilhões por ano. Uma solução preventiva pode economizar bilhões e aliviar o sofrimento de milhões de famílias.
Sendo Assim
O projeto brasileiro que combina curcumina e marapuama em um suplemento nanotecnológico representa muito mais que uma inovação farmacêutica: é um símbolo de soberania científica, respeito à biodiversidade e compromisso com a saúde pública.
O Brasil, por meio de suas universidades, empresas e cientistas, prova que pode ser líder em soluções globais. E o mais importante: com tecnologia acessível, sustentável e feita no Brasil.