A discussão sobre “bolha” costuma aparecer quando uma tecnologia acelera rápido, atrai capital e passa a influenciar decisões de mercado. No caso da inteligência artificial, o BTG Pactual publicou um estudo (“16 razões pelas quais a IA é um tema de longo prazo, e não uma bolha”) defendendo que o ciclo atual tem fundamentos mais sólidos do que movimentos especulativos clássicos. O documento, assinado pelo analista Vitor Melo, reúne indicadores de produtividade, investimento, margens corporativas e sinais de sentimento de mercado para sustentar a tese de que IA está se consolidando como um vetor estrutural de eficiência e competitividade.
O que o BTG considera “sinal de fundamento” e não de euforia
1) Produtividade com números, não apenas narrativa
Um dos pilares do relatório é o argumento de produtividade: estimativas acadêmicas citadas no material apontam um ganho anual de 1,3 ponto percentual no crescimento, associado à IA, o que equivaleria a mais de US$ 1,5 trilhão de produção adicional por ano. Esse tipo de métrica importa porque desloca o debate do “potencial” para o “impacto econômico esperado”, com ordem de grandeza mensurável.
2) Um ciclo de investimento grande, porém ancorado em retorno esperado
O BTG descreve um ciclo relevante de infraestrutura: projeção de US$ 1,2 trilhão por ano até 2029 em investimentos ligados a IA (incluindo infraestrutura). Ao mesmo tempo, o relatório e as repercussões do estudo destacam estimativa de retorno em torno de 20%, implicando necessidade de cerca de US$ 1,68 trilhão em produção anual para “pagar” o investimento, com comparações a grandezas do mercado de trabalho qualificado e do Ebit global.
Por que a comparação com a bolha “.com” perde força, segundo o relatório
3) Margens corporativas e geração de caixa mais altas
Um traço típico de bolhas é a fragilidade de modelo de negócios e a dependência de financiamento externo. O estudo contrasta isso com números atuais: as 10 maiores empresas do S&P 500 teriam margem operacional média de 39% (vs. 25% no período da bolha .com) e margem líquida de 32% (vs. 17% naquele ciclo). Na mesma linha, a mediana do S&P 500 apareceria com FCF yield em torno de 3,5%, acima do patamar observado em 2000–2001.
4) Valuation elevado em alguns nomes, mas longe de extremos históricos
O texto repercutido pelo Money Times menciona o Nasdaq-100 negociando a 29–30x lucro futuro, abaixo de níveis associados ao pico da bolha .com (e muito distante dos extremos citados para 2000). Ainda que múltiplos por si só não “provem” ausência de bolha, o argumento aqui é que o mercado não estaria precificando um cenário de perfeição generalizada como no passado.
5) Menos sinais de exuberância no “termômetro” de mercado
O relatório (e coberturas sobre ele) também chama atenção para indicadores de comportamento: em 12 meses, teriam ocorrido 56 IPOs no segmento observado, contra 511 no auge da bolha ponto com; além disso, o índice de “Medo e Ganância” da CNN estaria em “pessimismo extremo”, próximo de 19 pontos (com 50 como neutro). A combinação sugere cautela mais do que corrida descontrolada por risco.
O “motor oculto” do tema: infraestrutura e eficiência do capital
Além de software e modelos, o ciclo de IA depende de infraestrutura (data centers, chips, rede, energia). O BTG discute por que isso pode ser mais durável do que parece: vida útil de GPUs acima do que parte do mercado assumia e possibilidade de realocação para inferência ao longo do tempo, o que melhora a eficiência do capital investido.
Há também um argumento comparativo histórico sobre investimento em infraestrutura: o BTG estima que investimentos em data centers de IA representariam 1,3% do PIB, abaixo de grandes ciclos históricos de infraestrutura (o texto cita ferrovias chegando a percentuais superiores em outros períodos). Isso busca contextualizar escala e reduzir a leitura de “excesso automático” só porque o capex subiu.
O que empresas para além do setor de tecnologia podem tirar disso
Para um público topo/meio de funil, o valor do relatório não é “comprar IA”, e sim organizar decisões com menos ruído. Três implicações práticas:
- IA tende a virar item de competitividade operacional
Se produtividade é parte central da tese, a pergunta passa a ser onde IA reduz tempo, retrabalho e variabilidade: atendimento, backoffice, engenharia, pricing, logística, compras, cobrança, qualidade.
- O investimento relevante é processo + dados + governança, não só ferramenta
A lógica de “tema de longo prazo” favorece projetos com medição de resultado, segurança da informação, trilhas de auditoria e integração com sistemas. Isso reduz risco de iniciativas-piloto virarem custo recorrente sem entrega.
- A régua de ROI precisa ser realista e contínua
O relatório discute retorno esperado em nível macro; na empresa, isso se traduz em metas objetivas (SLA, redução de erros, aumento de conversão, queda de custo unitário), com acompanhamento mensal e revisão de premissas.
O novo relatório do BTG Pactual entra no debate com uma abordagem apoiada em dados: produtividade, escala de investimento até 2029, margens e caixa das líderes, múltiplos abaixo de extremos históricos e ausência de sinais clássicos de euforia em mercado primário e sentimento. Mesmo que ainda existam riscos técnicos e de execução, o conjunto de argumentos reforça a leitura de IA como tema econômico de longo prazo, com impactos que tendem a se espalhar para além das big techs.




