A Lei do Bem, instituída pela Lei nº 11.196/2005, é um dos principais mecanismos de incentivo fiscal voltados ao estímulo de atividades de pesquisa e desenvolvimento realizadas por empresas no Brasil. O instrumento permite a exclusão adicional de dispêndios de P&D da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, desde que a empresa esteja no Lucro Real e cumpra os requisitos legais e declaratórios junto ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o MCTI.
Na prática, a legislação estabelece percentuais de exclusão que partem de 60% dos dispêndios elegíveis, podendo ser ampliados conforme critérios previstos em norma. Esse potencial benefício torna a Lei do Bem um tema recorrente nas agendas fiscal e tributária das empresas, mas a experiência mostra que a captura efetiva do incentivo depende menos de cálculos e mais de processos bem estruturados ao longo do ano.
É nesse ponto que o gestor de inovação assume um papel estratégico, atuando como elo entre a execução técnica dos projetos e a conformidade exigida para fins de incentivo fiscal.
Por que o gestor de inovação é decisivo no uso da Lei do Bem
O incentivo não está vinculado apenas à existência de um projeto, mas à capacidade da empresa de demonstrar avanço tecnológico, incerteza técnica e esforço sistemático de desenvolvimento, com evidências claras e dispêndios corretamente associados. Quando essas informações são organizadas apenas no momento da prestação anual, surgem lacunas, inconsistências e retrabalho.
Os dados públicos do MCTI ajudam a dimensionar esse cenário. O número de empresas que utilizam a Lei do Bem cresce de forma contínua, passando de 3.493 em 2022 para 3.878 em 2023 e 4.252 em 2024, o que indica maior disseminação do incentivo e, ao mesmo tempo, maior exigência por padronização e clareza nas informações prestadas.
Nesse contexto, o gestor de inovação deixa de ser apenas responsável por priorizar iniciativas e passa a atuar como orquestrador de informações técnicas, financeiras e operacionais, garantindo consistência desde a concepção do projeto até o reporte final.
Governança de P&D como base para o incentivo fiscal
Um dos principais diferenciais das empresas que utilizam a Lei do Bem de forma recorrente é a existência de governança mínima de P&D, mesmo quando não há grandes centros de pesquisa estruturados. Essa governança começa com a definição clara do que é tratado como projeto de desenvolvimento tecnológico e com a criação de padrões internos simples, porém consistentes.
O gestor de inovação pode liderar esse processo ao estabelecer critérios comuns para descrição de projetos, registro de objetivos técnicos, etapas, decisões relevantes, resultados intermediários e finais. Esse tipo de estrutura não apenas facilita o preenchimento do formulário do MCTI, como também melhora a gestão interna do portfólio de inovação.
O próprio MCTI disponibiliza guias e orientações que ajudam as empresas a compreender o nível de detalhamento esperado, o que reforça a importância de alinhar desde cedo a execução técnica com o formato de prestação de informações.
A tradução do esforço técnico em evidência comprovável
Outro ponto crítico está na forma como os projetos são descritos. Times técnicos costumam comunicar atividades em termos de produto, entrega e prazo, enquanto a Lei do Bem exige uma abordagem orientada a desafios tecnológicos, hipóteses, incertezas e soluções desenvolvidas.
O gestor de inovação atua como tradutor desse conteúdo, organizando o material técnico em uma narrativa coerente e verificável, sustentada por documentos como relatórios, registros de testes, versões de sistemas, atas de reuniões técnicas e resultados de validação. Quando essa tradução ocorre ao longo do projeto, a empresa reduz significativamente o risco de inconsistências no momento do reporte.
Conexão entre projetos, pessoas e dispêndios
Um dos pontos mais sensíveis na análise do incentivo está na vinculação entre os dispêndios informados e os projetos declarados, especialmente no que se refere a recursos humanos. Informações públicas do MCTI indicam que são recorrentes problemas como ausência de correspondência clara entre pessoas e projetos, dificuldade de justificar dedicação parcial e confusão entre atividades de apoio e desenvolvimento tecnológico.
Ao estruturar rotinas de apontamento de horas, critérios de alocação e registros de atividades por projeto, o gestor de inovação contribui para que a empresa apresente informações mais consistentes e defensáveis. Essa integração entre inovação, RH, controladoria e fiscal costuma ser um dos fatores que diferenciam empresas com histórico estável de utilização da Lei do Bem.
Gestão de prazos e relacionamento com o MCTI
Além do conteúdo técnico e financeiro, há um componente operacional que impacta diretamente o sucesso do processo. A prestação de informações ocorre em ciclos anuais e envolve o uso de formulários eletrônicos, como o FormP&D, que vêm passando por ajustes e maior padronização nos últimos anos.
Tratar a Lei do Bem como uma rotina contínua, com calendário interno, checkpoints periódicos e validações intermediárias, reduz a dependência de esforços concentrados no fechamento e aumenta a previsibilidade do processo. O gestor de inovação costuma ser o responsável por manter esse fluxo organizado e alinhado às orientações oficiais.
Dados que ajudam a posicionar o tema estrategicamente
Para além do aspecto operacional, os números associados à Lei do Bem ajudam a reforçar sua relevância no contexto de gestão. Dados divulgados com base em informações do MCTI indicam que, em 2023, as empresas beneficiárias declararam investimentos próximos de R$ 41,9 bilhões em P&D, com renúncia fiscal em torno de R$ 9,8 bilhões. Esses valores ajudam a posicionar o incentivo como uma ferramenta relevante de eficiência tributária associada ao desenvolvimento tecnológico empresarial.
Além disso, recortes regionais mostram maior concentração de investimentos no Sudeste e no Sul, o que reforça a importância do tema para empresas dessas regiões e para setores intensivos em desenvolvimento tecnológico.
O gestor de inovação como facilitador da Lei do Bem
Quando a Lei do Bem é tratada apenas como uma obrigação acessória, o processo tende a ser reativo e pouco eficiente. Quando o gestor de inovação assume o papel de facilitador, estruturando governança, documentação e integração entre áreas, o incentivo passa a ser consequência natural do que já está sendo feito em P&D.
Essa abordagem permite que a empresa capture o benefício de forma mais segura, reduza riscos de questionamento e, ao mesmo tempo, fortaleça sua maturidade em gestão da inovação, transformando o incentivo fiscal em parte do modelo operacional e não em um esforço pontual de fim de ciclo.




